lunes, 13 de julio de 2015

INÊS DIAS [16.552] Poeta de Portugal


Inês Dias 

Poeta portuguesa y traductora. Debutó con Em Caso de Tempestade Este Jardim Será Encerrado (tea for one, 2011), seguido de In Situ (Língua Morta, 2012), y la última Um raio ardente e paredes frias (Averno, 2013).   Traducido, entre otros, Antonio Hernández: El mundo entero (Vida Idioma, 2012).

Ha traducido, entre otros, a Antonio Hernández: O Mundo Inteiro (Língua Morta, 2012). Es editora de Averno y de la revista Telhados de Vidro.




ÁGATA

Foi amor à primeira vista.
Ela tinha nome de pedra preciosa
e, na literalidade dos meus cinco anos,
cabelo em forma de pássaro – negro
asa de corvo.
Era o tempo em que ainda
aprendia com o corpo todo:
uma fractura exposta para entender
o significado da maioria, uma pneumonia
para descobrir a solidão.
Quando ela me cravou um lápis
sob o olho esquerdo, pressenti que a escrita,
grafite fria à flor do sangue,
deixaria marcas para sempre.
Nunca mais nos separámos.
Eu e as palavras,
a Ágata mudou de escola.



ÁGATA

Fue amor a primera vista.
Ella tenía nombre de piedra preciosa
y, en la literalidad de mis cinco años,
el pelo en forma de pájaro-negro
ala de cuervo.
Era la época en la que aún
aprendía con todo el cuerpo:
una fractura expuesta para entender
el significado de la mayoría, una neumonía
para descubrir la soledad.
Cuando ella me clavó un lápiz
bajo el ojo izquierdo, presentí que la escritura,
grafito frío a flor de sangre,
dejaría señales para siempre.
Ya nunca nos separamos.
Las palabras y yo,
Ágata cambió de colegio.




Lei sálica

As mulheres da família sempre
tiveram um jeito quase póstumo
de existir: guardar o lume
em silêncio, comer depois de
servir os outros, morrer primeiro.

Saíam à hora de ponta do destino
para lerem os caminhos perdidos
e coleccionavam a abdicação
em caixinhas de folha, entre bilhetes
caducados ou dentes de infâncias alheias.

Esperavam a vida toda por uma vida
próxima, de alma presa a alfinetes
no vestido preferido para o enterro,
os passos medidos nas suas varandas
a dar para o fim do mundo.

Retomo-lhes às vezes os gestos
neste meu exílio inventado,
mas acaba aqui: vou encher de corpo
a sombra, mesmo que nem tempo
me reste já para a pesar.



Ley sálica

Las mujeres de la familia siempre
tuvieron una forma casi póstuma
de existir: guardar la lumbre
en silencio, comer después de
servir a los demás, morir primero.

Salían a la hora punta del destino
a leer los caminos perdidos
y coleccionaban la abdicación
en cajitas de cartón, entre billetes
caducados o dientes de infancias ajenas.

Toda la vida esperaban una vida
próxima, de alma prendida con alfileres
en el vestido preferido para el entierro,
los pasos medidos en sus balcones
que daban al fin del mundo

A veces, retomo sus gestos
en este exilio mío inventado,
pero acaba aquí: voy a llenar de cuerpo
la sombra, aunque ya ni tiempo
me quede para compadecerla.  


                                   Traducciones: Verónica Aranda



La Cathédrale engloutie 

Deste lado da vida 
são sete horas (vestidas 
de preto, vermelho e medo) 
da manhã de outro dia. 
Mas a janela fechada dá 
para a noite ancorada 
de leve sobre as esperanças 
azedas da cidade. 

Conto um rio preso num poço, 
dois comboios afogados na pressa, 
meia dúzia de faróis 
acesos em prédios 
cuja felicidade parece sempre 
proporcional à distância. 

O vinil negro continua a rodar, 
atiça os seus pássaros enferrujados 
contra a lua atada 
a uma das chaminés. 
E a luz que nunca chega 
traz as últimas notícias da guerrilha, 
expõe o plástico roto nas armas 
dos nossos heróis de ontem. 

Abandono as saudades 
pelos telhados, com 
as patas embaciadas, os olhos 
magros. Saio. 
Recomeço a fazer horas 
para novos sonhos. 




La Colomba Ferita 

a António Barahona 

Quando me cansar de voar ou 
a ferida estiver finalmente visível, 
promete-me que a faca 
será afiada e silenciosa. 
Que eu não a veja chegar, 
como se não tivesse passado 
uma vida a pressenti-la nas dobras 
do lençol, mortalha de tantas noites. 
E antes, dá-me de beber 
entre as mãos, conta-me 
de céus azuis, sem garras 
e sem abismos. Espera que 
o meu coração de novo pequenino 
se aninhe no calor das tuas veias 
e se torne apenas a memória de 
um sobressalto contra a tua pele. 
Por este livro, por este poema, regresso a Campolide. 



Um estranho no meu túmulo 

Chegámos tarde a nós. 
Eu tinha a pele gasta, o coração no fio. 
Tu eras um longo muro de cimento areado 
em que deixava a carne inteira 
a caminho do encontro. 

A primavera ficava-nos sempre 
à esquerda, e tu cada vez mais 
dentro de mim até não sentir nada, 
até estares já do outro lado. 
Para trás, a cova matinal na almofada, 
o postal entre a leitura suspensa, 
o número a chamar de um fantasma. 

Se apagar as marcas de onde pousaste 
a cabeça sobre a minha vida, 
se ganhar novo espaço para o fôlego, 
faz-me só um favor: 
nunca mais me reconheças. 




Requiem para um pássaro e um autocarro perdido 

Mais um dia 
Em forma de pássaro morto. 
Uma amálgama ainda quente 
da manhã que nasce, espécie de beleza 
desmanchada a que nem o nosso olhar 
consegue servir de pietá . O vento 
teima em agitar uma ou outra pena, 
mas não há golpe de asa que o arranque 
agora ao asfalto negro. 

Partilhamos, no fundo, a impotência: 
o destino que o esmagou 
é o mesmo que esperamos para 
embarcar sem surpresas, sem direito a atrasos. 
A essa indiferença cansada prefiro 
a do outro pássaro que, lá muito em cima, 
hoje ainda mais, refaz a traços negros 
a vida. É por esses instantes 
de voo que aceito continuar a aprender. 




No hay comentarios:

Publicar un comentario