viernes, 3 de abril de 2015

BEATRIZ HIERRO LOPES [15.380] Poeta de Portugal


Beatriz Hierro Lopes 

(Oporto, 1985). Es licenciada en Historia. 
Ha publicado los libros: É Quase Noite, AVERNO (Ed.) 2013 y Espartilho, Debout Sur l’Ouef (Ed.) 2015.

Beatriz Hierro Lopes encarna uno de los ejercicios más decididos en el estilo que se encuentran en la poesía contemporánea reciente portuguesa, y se define por hiper-consciente y perspectivas extremadamente sensibles a través del cual una realidad tangible e inmediata se construye permanentemente, re-creada y polarizada.

[Nuno Brito]


[furia]

Tengo por regla esta apocalíptica forma de ser piedra en suelo mojado; y no me molestan en nada los pies de los otros, las rodillas las manos los rostros de los otros cuando casualmente resbalan en mí. Tengo una ciudad en cada pierna y en cada muslo el tráfico, la espera, la ira del taxista y una mano zurcida abusando la parada violenta que increpa desprecio a máxima velocidad. Tengo por pecho la plaza donde hombres y mujeres circulan y sé de memoria cada gesto sólo por la vanidad de decir: yo soy todo.
El todo tomando café, saliendo y entrando, indiferente a la calle que desemboca en mi lengua, ignorante de este registro diario que me ordena el ademán al negarle fuego a un desconocido. Niego, lo niego todo; y hay campanadas que suenan a mi espalda, santos de mirar opaco a los que sólo mi mirada les da brillo, hombres cotidianos que olvidan besos en cada ventana, sin saber que son mías la persianas que les devuelven esta impalpable forma de ser torrente de piedra: tempestad de granito. Golpeando furias contra abrigos negros, manos quietas y ese cabello oscuro buscando protegerse del frío.
No poseo sismo alguno, contingencia esporádica de la tierra en cuanto gime desamores al rocío de un cielo suspendido. Y, si me preguntaras quien soy, hacia donde voy, te diría: soy Otoño, Invierno camuflado de vana promesa, de vana incertidumbre, voy hacia el tiempo que es la contabilidad de la caída de las hojas. Soy como el tiempo de las tormentas, y si tengo como lengua un rayo despedazando las nubes, no esperes otra cosa que la certeza de que haré un día en plena noche, la forma más perfecta de romper el silencio.

Traducida por el poeta Mijail Lamas



[fúria]

Tenho por norma esta apocalíptica forma de ser pedra em chão molhado; e nada me incomodam os pés dos outros, os joelhos as mãos os rostos dos outros quando casualmente em mim resvalam. Tenho uma cidade em cada perna, e em cada coxa o tráfego, a espera, a ira do taxista e uma mão remendada abusando da paragem forçada a quem pragueja desprezo à mais alta velocidade. Tenho por peito a praça onde homens e mulheres circulam, e sei de cor cada gesto só pela vaidade de dizer: sou de tudo.
O tudo tomando café, saindo e entrado, indiferente à rua que desagua na minha língua, desconhecedor deste registo diário que me rege a correnteza do rosto ao negar lume a um desconhecido. Nego, nego tudo; e há sinos que tocam apenas nas minhas costas, santos de olhar baço a que somente o meu olhar dá luz, homens de todos os dias que esquecem beijos a cada janela, sem saberem que são minhas as portadas que lhes devolvem este sem toque de ser pedra em torrência: tempestade de granito. Batendo fúrias contra sobretudos negros, mãos quietas e esse cabelo escuro procurando proteger-se do frio.
Nada possuo de terramoto, ocasionalidade esporádica da terra enquanto geme desamores ao relento de um céu suspenso. E, se me perguntares quem sou, para onde vou, dir-te-ei: sou Outono, Inverno camuflado de vã promessa, de vã incerteza, vou para o tempo que é da contabilidade excessiva da queda dos ramos. Sou do tempo como da trovoada, e se tenho por língua um raio despedaçando nuvens, nada esperes que não seja a certeza de eu fazer dia em noite cerrada, a mais perfeita forma de romper o silêncio.



OSSOS

Os ossos dos pássaros mortos como relíquias de santos: usá-los-ia a todos se com isso achasse atrair boa sorte. E se me perguntassem que ossos eram aqueles que levava ao peito, diria que são dos santos mais poluentes desta terra onde já não moram só gaivotas.
Mas não lhes conheço milagres: notícias de pássaros que curem vagabundos de cegueira, diabetes ou simples bebedeira. O seu propósito, destituído e substituído pela queda do olhar sobre o alcatrão; toda a mortalidade ali e, ainda assim, a cegueira sem cura, pois por não serem bichos religiosos não sabem abençoar os olhos dos que passam, nem ouvir deus recitando horários e mandamentos às rotinas. Acho que todos devíamos levar salmos nos bolsos, coisas de fácil digestão nos intervalos entre os subterrâneos.
Só à face das pedras os pombos revelam o seu lado mais secreto, por lhes conhecerem a natureza perversa com que provocam acidentes aos que as atravessam no inverno.
Desconfio dos pássaros por só os encontrar mortos. Tão pobremente mortos que nem sepultura, só os veios estreitos entre as pedras de granito, até que se somem debaixo das solas dos sapatos ou na terra que dá às pedras a ilusão da unidade. Nisso lembram-me pessoas.
Divido-os por ordem poética: se uma elegia é uma gaivota à sombra, imaginando ser um abutre em áfrica, um soneto é um canário enclausurado numa gaiola demasiadamente espaçosa para a fome do gato, e uma redondilha é um pardal de pata partida encontrando conforto nas mãos de uma criança que, sem querer, o asfixia enquanto corre para o ir mostrar à sua mãe.
Os pássaros, como a poesia e como as pessoas, só servem para mostrar que a morte habita cada rua. E eu usaria um colar de ossos de finas asas, onde se gravassem os poemas de que mais gosto, se achasse que isso serviria para mudar a minha sorte de velório.

in É quase noite, 2013





OSSOS

Dead birds’ bones as relics of saints: I’d wear them if they brought me good luck. And if asked whose bones I boasted around my neck, I’d reply they belong to the most polluting saints of this land no longer inhabited by seagulls alone. 
But I know of no achieved miracles: no news of birds healing vagrants from blindness, diabetes or simple drunkenness. Their purpose is destitute and substituted by some gaze crashing on to the tarmac; all mortality lying there and, even so, blindness remains incurable, for as they are not religious animals they don’t know how to bless the eyes of the passers-by, nor to listen to god routinely reciting timetables and commandments. I think we should all carry psalms in our pockets, easy-digesting stuff for underground breaks.
Pigeons reveal their most secret side only to the surfaces of stones for they know their accident-inducing perverse nature towards those who go stone-crossing in winter. I mistrust birds since I only find dead ones. So dejectedly dead, they have no graves. Only thin veins among granite slabs till they vanish underneath the shoe soles or the earth which gives the stones a binding illusion. In this particular, they remind me of people.
I divide birds in poetical order: if an elegy is a seagull in the shade picturing itself a vulture in africa, a sonnet is a canary locked in a cage too spacious for the cat’s hunger, and a villanelle is a broken legged sparrow comforted by a child who will unintentionally smother it while running to show it to his mother.
Birds, like poetry and people, are only good for showing that death inhabits every street. And I would wear a delicate wing-bone necklace, with my favourite poems engraved on them, if I knew this would change the odds in my mourning draw.

Translated by Ana Hudson, 2015





DIGO

Digo-o: não se escreve com medo. Devia perguntar-se aos poetas a quem lêem eles os seus versos, antes de os publicarem. Todos passam por essa corda de segurança. O poema de hoje lembra-me um Tempos Modernos, em que os poetas são operários como as poetas são aplicadas donas de casa. Opto pela androginia de género. Gosto de poetas que lêem versos às mães: as mães sentadas de televisor apagado, ouvindo-os, a coragem dos filhos e o pudor das mães, que sorriem como, de manhã, ao levantarem-lhes os lençóis manchados. Nisso ainda são delas, as ejaculações privadas que obrigam a lavar à mão cuecas em água quente e lixívia. Fariam o mesmo com os poemas; e eu, que pouco entendo de poesia, adoraria ler um poema esterilizado por cuidados maternos. As mulheres são diferentes, nenhuma mostraria os seus poemas ao pai. As intimidades das filhas são segredos pregados às costas paternas, quadros fixados numa parede móvel onde confortavelmente se deixam embalar sem que, por isso, os pais o saibam. Todos são paredes de casa expostas ao sol; voltados para fora, são tão fáceis de amar. Não há poeta que não seja filha de seu pai; nisso são equivalentes a eles, filhos de sua mãe.
E talvez o problema operacional do verso seja esse: a falta de óleo na engrenagem que tritura a familiaridade. Todos deveriam ser pródigos, abandonar o conforto materno e evitar o mijo ou o sémen que manche páginas de livros. Poesia Kleenex é a melhor definição que me ocorre, ao pensar poeticamente na poesia contemporânea; e choca-me que ninguém se tenha lembrado ainda de imprimir versos do Pessoa em guardanapos de papel; ou Camões, que também serviria às saladas de entrada. Já vi xícaras de café com Álvaro de Campos e acho que Agustina, em curtas frases, faria brilharete em qualquer serviço de chá Vista Alegre. Para os kleenexes propriamente ditos, de uso vário, como se poderá mirar à margem da estrada, aconselharia alguma da poesia de 61 que, apenas por oito anos, não foi pródiga na sua auto-enunciação. Agora que a Renova imita a Alchimie du Verbe na produção das mais enigmáticas cores aliadas ao bom gosto genital de cada um, nada há a temer.

in É quase noite, 2013



DIGO

I say this: you shouldn’t write with fear. You should ask poets to whom they read their verse, before having it published. All of them go through this safety net. Today’s poem reminds me of a Modern Times in which poets are workers and poetesses are dutiful housewives. I choose gender’s androgyny. I like poets who read verse to their mothers: mothers who sit opposite turned off televisions listening to them, the courage of sons and the decorum of mothers who smile, like they smile in the morning as they change the sons’ stained sheets. Private ejaculations which demand bleach and hot water hand-washing of pants. They would do the same with the poems; and I who don’t know much about poetry, would love to read a poem sterilised by motherly care. Women are different; not one would show their poems to their fathers. Daughters’ intimacies are secrets stuck onto paternal shoulder backs, pictures hanging from a mobile wall, being carried in comfort without their fathers’ knowledge. These walls all are sun facing; looking outwards, they are so easy to love. There isn’t a poet-ess who is not her father’s daughter; in this they are equivalent to poets, their mothers’ sons.
And perhaps this is the verse’s operational problem: the lack of oil in the gear that grinds familiarity.
All sons should be prodigal; they should abandon motherly comforts and avoid the piss and the semen that stain book pages. Kleenex poetry is what best occurs to me to poetically think of contemporary poetry; and I’m shocked that it hasn’t yet occurred to someone to print Pessoas’ lines on paper napkins; or Camões, who could be served as a starter. I’ve seen Álvaro de Campos coffee cups and I guess Agustina, in short sentences, would do really well on any Vista Alegre tea set. For the actual kleenexes, used for various purposes as can be verified on road verges, I’d recommend some of 1961 poetry which missed its self-enunciation just by eight years. Now that Renova copies l’Alchimie du Verbe in the production of the most enigmatic colours allied to one’s genital good taste, there’s nothing to be feared.

Translated by Ana Hudson, 2015




AO LONGE TODOS SÃO PEDRAS

Foi a mãe que me ensinou a ter medo das coisas vadias ou da injustiça da vida das pedras — tão inanimadas! Da bicharada sem dono que morre à margem da estrada — não: morrem na estrada, e não sei quem os põe à margem, mas é cá que os encontro —, um gato de olhos abertos, um caído, as veias, os tendões ligando-o ainda ao corpo — verá melhor agora, com o olho pousado na pedra? A mãe manda-me tapar os olhos para que eu não o veja; nem eu, nem a vida inanimada da injustiça das pedras.
Ao longe todos são pedras, apetece-me dizer-lhe, ao pensar na sua tristeza contra as ruas, quando vejo passarem por mim pessoas. Tenho olhos de pedra, mãe, e por isso todos são cinzentos, lajes de granito que contrariam a lei da gravidade ao caminharem tão verticais como os dias em que ouço, cá em baixo, o sino das igrejas; e me pergunto se haverá pedra suficiente nesta cidade inteira para reconstruir uma catedral a um deus diferente.
Percorri os limites das estradas vendo e tapando os olhos a gatos mortos — ainda hoje o faço —, sem que isso me aproxime das pedras que, tantas vezes lhe disse, mãe, têm a vida certa por viverem longe de nós, que as olhamos e lhes pensamos a tristeza que não sabem ter. Se com isso conseguisse deixar de ver a vadiagem posta na rua, imitar-lhes-ia a injustiça da vida. Temos a pele mais fina das pedras, as chuvadas e os pesos das solas amenizam-nos as irregularidades, fazem de nós o corpo mais macio desta estação sem que nos toquem; sem que alguém nos toque. E mãe, a mãezinha sabe: só daremos bom espaço aos gatos que nos morram nos braços.

in É quase noite, 2013




IN THE DISTANCE THEY’RE ALL STONES

It was my mother who taught me to fear vagrant things or the injustice of stones’ lives – so lifeless! Stray animals that die on the roadside – no: they die on the road, I don’t know who moves them to the side, but that’s where they’re found – a cat, eyes open, one eye hanging out still attached to its cavity – will it see better now, its eye touching the ground? Mother tells me not to look at it; neither me nor the lifeless life of stones’ injustice.
In the distance they’re all stones, I feel like saying, as I come across people and think about their sadness against the streets. Mine are eyes of stone, mother, and therefore people are all grey, granite slabs defying the law of gravity as they walk as stiff as the days when I hear, down below, the church bells and I wonder whether there’ll be in this city enough stone to build a cathedral to a different god.
I’ve walked the roadside looking and closing the eyes of dead cats – I’m still doing it now – and that doesn’t bring me closer to the stones which, I’ve told you so often mother, have a safer life away from us who can see them and think the sadness they cannot feel. If only I could thus stop seeing vagrancy condemned to the streets, I would mimic their life injustice. We have the thinnest skin of all the stones, the rain and the weight of our shoe soles lessen unevenness, turn us into the softest body of this season without even touching us; without anybody touching us. And mother, you know: we’ll only give a good place to cats that die in our arms.

Translated by Ana Hudson, 2015




No hay comentarios:

Publicar un comentario